sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Reflexões provocadas por "o homem como o centro do universo"

“É uma das cenas clássicas dos Irmãos Marx. Militares em torno de um mapa, examinando as coordenadas de uma batalha próxima. Groucho. O general, diz: ‘Uma criança de três anos entenderia isso.’ Longa pausa. Groucho, virando-se para um ordenança: ‘Tragam uma criança de três anos!’
(...)
A criança de três anos não é pró ou anti nada. A criança de três anos só vê o que está na cara, e acha estranho que ninguém mais veja.”
A passagem acima é de um artigo de Luís Fernando Veríssimo intitulado Falta a criança de três anos, publicado na edição de 4 de março de 1999 do jornal O Globo. Lembrei dela ao postar a estória O homem como o centro do universo, pois nesta a protagonista é uma criança de sete anos. E lembrei também de uma citação de Antoine de Saint-Exupéry: “Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. Pena que sejam poucas as que se lembram disso”.
Creio que a lamentação de Saint-Exupéry seja porque apesar de não nascermos para permanecer crianças algumas características infantis deveriam ser preservadas e a maneira isenta de olhar o mundo é uma delas. A criança de três anos não é pró ou anti nada. A criança de três anos só vê o que está na cara, e acha estranho que ninguém mais veja, diz Luís Fernando Veríssimo.
E o que vêem os adultos? Ao contrário das crianças, os adultos dificilmente vêem o que está na cara, pois a vida os condicionou a ver o que ouvem dizer que todos estão vendo ou o que alguém, que tenha alguma espécie de poder para intimidá-los, lhes diga que devem ver. E isto me lembra mais uma coisa: uma fábula de Hans Christian Andersen, intitulada A roupa nova do rei, da qual fiz o resumo apresentado abaixo.
“Uma dupla de espertalhões vende a um vaidoso rei um traje que segundo eles tinha a virtude de ficar invisível para pessoas dissimuladas, incompetentes ou desprovidas de inteligência. Feita a propaganda da roupa, os súditos ficaram ansiosos para saber quem era o mais falacioso e burro entre os seus vizinhos.
Então, durante o desfile para mostrar a roupa nova, enquanto o Rei ia caminhando cheio de imponência, os súditos não querendo passar por tolos ou incompetentes, exclamavam:
- Que caimento tem a roupa do Rei! Que manto majestoso! Que brilhante tecido!
Nenhuma roupa do Rei jamais recebera tantos elogios! Entretanto, um menino que estava entre a multidão achou aquilo muito estranho e disse:
- Coitado do Rei... Está nu!
Os homens e mulheres do povo, sabendo que o menino não era nem mentiroso nem tolo, começaram a murmurar e logo a seguir, como numa onda, em altos brados repetiam:
- O Rei está nu! O Rei está nu!”
Tinha que ser uma criança! Afinal, só elas vêem o que está na cara, pois os adultos não querendo passar por tolos ou incompetentes (conforme é dito na fábula) vêem (?) apenas o que são induzidos a ver. E agindo assim acabam, justamente, tendo sua tolice provada por uma criança.
Uma criança de sete anos consegue enxergar que o conserto do todo é resultado do conserto das partes e não o contrário como a maioria dos adultos demonstra acreditar. No caso em questão, a parte é o homem e o todo é o mundo. Portanto, o conserto do mundo só é possível a partir do conserto do homem. São atribuídas a Voltaire as seguintes palavras: “Afinal de contas, quando se tenta modificar as instituições, sem haver modificado a natureza dos homens, essa natureza inalterada logo ressuscitará aquelas instituições”.
Será que, na frase acima, podemos substituir instituições por mundo? Em minha opinião sim. Portanto, urge fazer o seguinte:
1. Abandonar a arrogância que nos impede de dar atenção ao que as crianças vêem.
2. Deixar que as crianças sejam crianças e não privá-las da infância sob o pretexto de prepará-las para o mercado de trabalho. É cada vez mais difícil ser criança. Como diz Zeca Baleiro: Era uma vez uma infância.
3. Libertar a criança interior que a maioria mantém aprisionada devido a condicionamentos adquiridos durante o processo de crescimento (que muitas vezes restringe-se ao aumento de tamanho físico) para que possamos ajudar esses pequenos seres – que dizemos ser a quem mais amamos – a consertar o mundo.
Para terminar, reflitamos sobre mais algumas palavras do inesquecível Antoine de Saint-Exupéry:
“‘As pessoas crescidas têm sempre necessidade de explicações... Nunca compreendem nada sozinhas e é fatigante para as crianças estarem sempre a dar explicações.’
‘As crianças têm de ter muita tolerância com os adultos.’”
Que raça danada para estragar crianças!


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