Em conformidade com a intenção deste blog, segue mais uma postagem do tipo “Reflexões sobre...” É por acreditar que um texto possibilite diferentes reflexões - dependendo de quem o lê - que eu compartilho as minhas e gostaria que vocês compartilhassem as suas, pois creio também que seja essa a maneira de tirar o maior proveito do que se lê. E com a finalidade de lhes dar tempo para reflexões, o intervalo entre as postagens é de, no mínimo, um dia, pois na vida existem outras coisas a fazer além de ficar visitando blogs. Dito isto, seguem algumas reflexões sobre o “mágico” episódio da vida de Saint-Exupéry contado na postagem anterior.
“O carcereiro olhou para ele (...) seus olhos se encontraram, e Saint-Exupéry sorriu. Depois ele disse que não sabia porque sorriu, mas pode ser que quando se chega perto de outro ser humano seja difícil não sorrir. Naquele instante, uma chama pulou no espaço entre o coração dos dois homens e gerou um sorriso no rosto do carcereiro também. Ele acendeu o cigarro de Saint-Exupéry e ficou perto, olhando diretamente em seus olhos, e continuou sorrindo. Saint-Exupéry também continuou sorrindo para ele, vendo-o agora como pessoa, e não como carcereiro. Parece que o carcereiro também começou a olhar Saint-Exupéry como pessoa, porque lhe perguntou: ‘Você tem filhos?’”
Sim, pode ser que quando se chegue perto de outro ser humano seja difícil não sorrir. E fazê-lo de forma espontânea e franca e não da maneira forçada que é tão comum durante “encontros sociais” ou diante de uma máquina fotográfica. Sorrir olhando diretamente nos olhos e ver o outro como uma pessoa com planos e esperanças semelhantes aos nossos. Planos cuja manutenção pode depender de um sorriso do coração.
Coração que os cientistas já estão se dando conta de que não seja meramente uma bomba mecânica, mas um sofisticado sistema para receber e processar informações. Coração que, segundo o Pequeno Príncipe, é imprescindível para que possamos ver com clareza. Clareza que possibilite vislumbrar a história secreta das pessoas que cruzam o nosso caminho e nela descobrir algo capaz de mudar o modo de nos relacionarmos com elas. Gosto muito da seguinte afirmação do escritor e poeta Henry Wadsworth Longfellow.
“Se pudéssemos conhecer a história secreta daqueles que gostaríamos de punir, descobriríamos, na vida de cada um, tristeza e sofrimento suficientes para nos desarmar de toda a nossa hostilidade”.
Foi o que ocorreu naquele instante mágico em que uma “chama” pulou entre os corações daqueles dois homens e o carcereiro descobriu na vida de Saint-Exupéry a tristeza e o sofrimento causados pela possibilidade de jamais tornar a ver seus filhos. Então, o que fez o carcereiro? De repente, sem nenhuma palavra, ele abriu a cela e guiou Saint-Exupéry para fora do cárcere, através das sinuosas ruas, para fora da cidade, e o libertou. Sem nenhuma palavra, o carcereiro deu meia-volta e retornou por onde veio. E Saint-Exupéry disse: ‘Minha vida foi salva por um sorriso do coração’.
Um sorriso do coração salvou a vida de Saint-Exupéry. E a falta desse tipo de sorriso pode extinguir esta civilização (sic) que substituiu o sorriso franco do coração pelo sorriso forçado pela máquina. Os sorrisos deixaram de ser provocados pelo olhar direto nos olhos de outro ser humano e passaram a ser estimulados pelo olhar para uma máquina fotográfica. São as máquinas que despertam nossa atenção e nosso interesse. Hoje, preferimos ver os amigos por intermédio de uma web cam em vez de encontrá-los pessoalmente. E um exemplo de tal preferência pode ser visto em um depoimento da jovem Luiza Possi em seu texto intitulado Homem-máquina que ajudei a espalhar por intermédio de uma postagem feita em 30 de março de 2011.
“Comecei a pensar seriamente sobre isso no dia em que encontrei pessoalmente um grande amigo que conversava toda noite comigo pelo Messenger, foi tão estranho... Na época e pelo tipo de conversa que tínhamos, eu poderia dizer que ele era meu melhor amigo, e de repente nos vimos ali, completamente sem graça, sem saber sobre o que falar, então eu dei o primeiro passo e perguntei se ele estava melhor. Ele riu e falou:- Te respondo mais tarde no MSN.”
A paixão por máquinas tornou as pessoas avessas a contatos humanos e a preferirem interagir por intermédio de máquinas. A mais recente edição da Revista O Globo traz, no espaço do brilhante cartunista Bruno Drummond, a seguinte cena: Um jovem sentado, uma jovem com a cabeça encostada em uma de suas pernas e ambos tentando fazer conexões remotas. Então, a jovem diz “perdi a conexão”; o jovem responde “eu também” e faz a seguinte pergunta: “E agora? Com quem a gente vai conversar?”
E agora? O que eu devo falar?
Creio que seja dizer que enquanto a preferência das pessoas for por conexões remotas, como mostram o depoimento de Luiza Possi e a cena descrita por Bruno Drummond, elas jamais produzirão essa irradiação coerente do coração – essa ‘chama’ de genuína afeição – que pode afetar pessoas a uma distância de até 5 metros!
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