quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Consequências do desconhecimento do raciocínio sistêmico

Na época em que eu frequentava o ensino fundamental – que era chamado de ensino primário – havia uma cena comum em dias de prova. Alunos diziam à professora que não tinham entendido o que era pedido em determinada pergunta e, geralmente, recebiam a seguinte resposta: o entendimento do enunciado faz parte da questão. Ou seja, entender o enunciado era necessário para encontrar a solução. E entender o enunciado depende do modo de raciocinar. Creio que seja este o problema da humanidade: por raciocinar de modo errado, não entende o enunciado dos problemas que a vida lhe apresenta e que, em sua maioria, são gerados por ela própria devido à sua percepção equivocada. E quanta percepção errada! Querem um exemplo? Vejam a “pérola” que ouvi durante uma reunião.
“O problema ainda não estava entendido, mas como, pelo cronograma, já deveríamos estar desenvolvendo a solução, partimos para a solução.”
Mais importante que apresentar uma solução certa em uma data “errada” era apresentar uma solução errada (sic) em uma certa data. Fiquei estupefato, pois a reunião era com profissionais que atuam em desenvolvimento de sistemas de informações, mas que não usavam o raciocínio sistêmico. Profissionais que ignoravam o que Peter Senge denomina primeira lei da Quinta Disciplina - o raciocínio sistêmico -, que é a seguinte:
“1. Os problemas de hoje provêm das ‘soluções’ de ontem.
Era uma vez um mercador de tapetes que viu que seu mais belo tapete tinha um calombo no centro. Ele pisou no calombo a fim de achatá-lo – e conseguiu. Mas o calombo reapareceu em outro lugar. O mercador pisou-o mais uma vez, e o calombo desapareceu – apenas por um momento, pois logo reapareceu em outro lugar. O mercador continuou a pular sobre o tapete, pisoteando-o com raiva, até que finalmente levantou a ponta do tapete e viu uma cobra sair debaixo dele.
Nós, muitas vezes, não atinamos com as causas dos nossos problemas quando, na verdade, bastaria olharmos para as soluções que demos a outros problemas no passado.”
O que ouvi naquela reunião nada mais era do que uma pisada em um calombo do tapete. As “soluções” de hoje geram os problemas de amanhã.
Peter Senge apresenta onze leis para a Quinta Disciplina. Não falarei sobre todas nesta postagem, pois vocês não merecem - seria cansativo -, mas creio que a segunda e a décima primeira devem ser mostradas.
“2. Quanto mais você insiste, mais o sistema resiste.
Em A Revolução dos Bichos, de George Orwell, o cavalo Boxer tinha sempre a mesma resposta para qualquer dificuldade: ‘Trabalharei com mais afinco’, dizia ele. A princípio, sua boa vontade foi um incentivo para todos os outros, mas, aos poucos, seu esforço começou a ter um retorno negativo. Quanto mais ele trabalhava, mais trabalho havia para fazer. O que ele não sabia era que os porcos que administravam a fazenda estavam se aproveitando dele. O fato era que seu empenho impedia que os outros animais vissem o que os porcos estavam fazendo. O raciocínio sistêmico tem um nome para este fenômeno: ‘feedback de compensação’, ou seja, intervenções bem intencionadas que geram respostas do sistema que anulam os benefícios da intervenção. Todos nós sabemos o que é enfrentar um feedback de compensação – quanto mais força você faz, mais o sistema resiste.
Quando nossos esforços iniciais não produzem resultados duradouros, nós insistimos com mais empenho - crentes, como o cavalo Boxer, de que nosso esforço superará todos os obstáculos, e sem conseguir enxergar que estamos contribuindo para os obstáculos.
“11. Não existem culpados.
Nossa tendência é culpar as circunstâncias externas pelos problemas que nos afligem. Alguém de fora é o culpado – os concorrentes, a imprensa, a oscilação do mercado, o governo. O raciocínio sistêmico mostra que não existe o ‘lá fora’, que você e a causa dos seus problemas fazem parte de um único sistema. A cura reside no seu relacionamento com o ‘inimigo’.”
Então, bicharada, se nós e a causa dos nossos problemas fazemos parte de um único sistema, as soluções requerem a nossa participação. Portanto, deixemos de ser cavalos que pisam cobras debaixo de tapetes e de entrar no jogo sujo dos porcos. Não, a próxima postagem não será sobre a Arca de Noé.
Peter Senge diz que “insistir em soluções conhecidas, enquanto os problemas fundamentais persistem ou se agravam, é um indício de que se está usando raciocínio não sistêmico”. Não creio que seja o meu caso, por isso insistirei em tentar convencê-los da necessidade de adotar o raciocínio sistêmico. Como disse Einstein, há muitos anos, não podemos resolver nossos problemas usando o mesmo tipo de pensamento que os criou. Portanto, é imprescindível uma nova maneira de pensar. É preciso entender que uma nova maneira de pensar não é pensar coisas novas: é pensar de outra maneira. É necessário espalhar a ideia do raciocínio sistêmico. Virou trilogia! A próxima postagem trará as considerações finais sobre o assunto.

2 comentários:

CJ disse...

Amigo Guedes,
Recomendo o Livro "A República" de Platão, apesar de antigo é bastante atual, reflete bem os dilemas que enfrentamos hoje e estão totalmente relacionados com as discussões deste post.
Abs,

Guedes disse...

Amigo CJ,
Sua recomendação está aceita. Aliás, esse é um livro que eu gostaria de já ter lido. O problema é sempre aquele: ao escolher uma coisa abrimos mão de outra(s). Quanto a sua observação sobre a relação entre as ideias contidas no livro “A República” e as discussões deste post, vejo-a como mais uma demonstração de que tudo está ligado. Mesmo sem tê-lo lido, segundo você, escrevi algo que está em sintonia com o que é dito no livro. Não é interessante?
Abraços,
Guedes