sábado, 6 de julho de 2024

Reflexões provocadas por "Os dilemas éticos da tecnologia" (III)

Continuação de domingo, 30 de junho
"Para Gertz, a inteligência artificial tem o potencial de revolucionar o trabalho, automatizando tarefas rotineiras e abrindo novas possibilidades para a criatividade humana. No entanto, teme que a crescente automatização da economia leve a desigualdades cada vez maiores e ao desemprego em massa.
Desenhar esse futuro do trabalho mais justo e gratificante para todos é algo que demanda o cuidado proporcionado pelo pensamento crítico, pela reflexão e compreensão profunda dos problemas. Neste sentido, a filosofia se apresenta como um campo vasto e diversificado para pensar a tecnologia, contribuindo com novas perspectivas e insights."
"O cuidado proporcionado pelo pensamento crítico, pela reflexão e compreensão profunda dos problemas.", eis o que se precisa nestes insanos tempos em que a tecnologia é apresentada, e aceita, como sendo a solução para todos os males que assolam este planeta como se ela própria não seja a causadora de muitos deles. A afirmação apresentada a seguir foi extraída de uma entrevista com o renomado físico brasileiro Marcelo Gleiser (1959) publicada em 29 de julho de 2001 no caderno mais! (suplemento dominical do jornal Folha de S.Paulo).
"O cientista tem o dever moral de alertar a população não só para o lado luz, 'a ciência vai resolver os males do mundo', mas também mostrar o lado de que ela provoca vários desses males."
A frase de Marcelo Gleiser refere-se à ciência, não a tecnologia. Então, por que cito-a nestas reflexões? Porque ciência e tecnologia são duas coisas inseparáveis, conforme nos explica a seguinte afirmação: "A ciência é o estudo sistemático da natureza e do universo, enquanto a tecnologia é o uso prático dos conhecimentos científicos." Compreendido?
"'O mundo que criamos, como resultado de nosso pensamento, tem agora problemas que não podem ser resolvidos se pensarmos da mesma forma que quando os criamos'. Portanto, é imprescindível uma nova maneira de pensar. É preciso entender que uma nova maneira de pensar não é pensar coisas novas: é pensar de outra maneira.", disse Albert Einstein (1879-1955), físico alemão naturalizado norte-americano.
O que me fez trazer para estas reflexões as palavras de Albert Einstein (1879-1955), físico alemão naturalizado norte-americano reproduzidas imediatamente acima? As palavras do professor de filosofia e pesquisador americano Nolan Gertz, reproduzidas imediatamente abaixo.
"A filosofia se apresenta como um campo vasto e diversificado para pensar a tecnologia, contribuindo com novas perspectivas e insights."
Seguem mais alguns trechos da excelente reportagem de Claudia Penteado que deixam-me bastante impressionado com o trabalho de Gertz.
"Com seu trabalho de pesquisador, escritor e palestrante, Gertz tem procurado fazer provocações, na tentativa de inspirar e engajar as pessoas para que elas tentem fazer mais perguntas e não se contentem com as respostas que veem sendo dadas.
Na Universidade de Twente, Gertz diz que procura ensinar seus alunos a ler a história da filosofia e entender como ela pode ser aplicável para ajudar a levantar questões sobre os problemas enfrentados hoje. Segundo ele, a filosofia é muito útil para prever por que temos que entender a relação entre o passado e o presente para tentar passar do presente para o futuro.
'Os filósofos são bons em fazer perguntas, especialmente quando se trata de tentar pensar em como os avanços tecnológicos podem dar errado ou pelo menos não acontecer como esperado.'"
"Inspirar e engajar as pessoas para que elas tentem fazer mais perguntas e não se contentem com as respostas que veem sendo dadas.", pois só assim é possível "Entender a relação entre o passado e o presente para tentar passar do presente para o futuro". E uma vez entendida a relação entre o passado e o presente, "Tentar pensar em como os avanços tecnológicos podem dar errado ou pelo menos não acontecer como esperado.", para evitar que tais coisas continuem ocorrendo per omnia saecula saeculorum.
"Fazer mais perguntas e não se contentar com as respostas que veem sendo dadas.", ou seja, questionar tudo o que ocorre nesta sociedade pródiga em problemas engendrados por uma espécie autodenominada a inteligente do universo. Afinal, como afirmou o renomado sociólogo polonês Zigmunt Bauman (1925 - 2017): "Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem." Afirmação cuja veracidade, no meu entender, está plenamente confirmada nestes sinistros tempos.
"Para Gertz, a pergunta mais importante a ser feita sobre IA é simplesmente 'o que é isso?'. Esta pergunta, diz, leva inevitavelmente ao exército invisível de trabalho humano em lugares como África Oriental, que fazem a IA parecer "inteligente", e ao mesmo tempo à gigantesca e desastrosa pegada de carbono dos centros de dados usados pelas empresas de tecnologia que tentam desenvolver a IA no mundo. Fala-se muito pouco sobre esse custo ambiental embarcado na tecnologia ChatGPT.", diz Claudia Penteado.
E ao dizer que "a pergunta mais importante a ser feita sobre IA é simplesmente 'o que é isso?'", Gertz faz-me lembrar da seguinte afirmação de Stephen Hawking (1942 – 2018), físico teórico e cosmólogo britânico, reconhecido internacionalmente por sua contribuição à ciência: "No curto prazo, o impacto da IA (Inteligência Artificial) depende de quem a controla. No longo prazo, dependerá do fato de ser controlável ou não." Afirmação que, acionando o método das recordações sucessivas, leva-me a trazer para estas reflexões a lembrança da famosa "caixa de Pandora". Para quem não conhece a história da referida "caixa", seguem alguns trechos de um texto intitulado "A caixa de Pandora, uma metáfora para o mundo de hoje?", de autoria de André Francisco Pilon, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP que. Texto que, até o momento da publicação desta postagem, era encontrável em https://jornal.usp.br/artigos/a-caixa-de-pandora-uma-metafora-para-o-mundo-de-hoje/.
A "caixa de Pandora" é uma metáfora usada para caracterizar ações que, menosprezando o princípio de precaução, desencadeiam consequências maléficas, terríveis e irreversíveis. O mito de Pandora origina-se nos poemas épicos de Hesíodo (a Teogonia), escritos durante o século VII a.C., considerados uma das mais antigas versões sobre a origem do Universo.
Zeus deu a Pandora, como presente de casamento, uma caixa (na Grécia antiga, um jarro), mas avisou-a para nunca a abrir, pois seria melhor deixá-la intocada. A vontade de abri-la superou qualquer precaução: coisas horríveis voaram para fora, incluindo ganância, inveja, ódio, dor, doença, fome, pobreza, guerra e morte. Hoje em dia, a caixa de Pandora continua sendo aberta, não por pessoas desavisadas, mas por personagens que prestam serviços em nome da ciência, da política e da economia.
No entanto, setores governamentais, os meios de comunicação de massa, abdicaram do debate público no tocante aos riscos representados pela "caixa".
Aí estão os agravos à saúde da população, à biodiversidade, ao habitat dos demais seres vivos, à preservação dos ecossistemas, à própria Terra como um todo. A confiança na tecnologia como panaceia para todos os males resultou em considerar a "inteligência artificial" como opção para o declínio da "inteligência natural".
"Hoje em dia, a caixa de Pandora continua sendo aberta, não por pessoas desavisadas, mas por personagens que prestam serviços em nome da ciência, da política e da economia.", diz o professor André Pilon em um texto intitulado "A caixa de Pandora, uma metáfora para o mundo de hoje?". Ou seja, aberta não por pessoas desavisadas, mas por personagens mal-intencionadas que prestando serviços em nome da ciência aliam-se a empresas de tecnologia na produção de inovações que beneficiem mais a si mesmas do que a humanidade.
"A confiança na tecnologia como panaceia para todos os males resultou em considerar a "inteligência artificial" como opção para o declínio da "inteligência natural", diz o professor André Pilon. Será que a confiança na tecnologia como panaceia para todos os males resultou exatamente em algo contrário? Será que, em verdade, o que resultou da confiança na tecnologia como panaceia para todos os males foi a abertura da "caixa de Pandora" e consequentemente a liberação dos males que nela estavam contidos?
Diferentemente do que foi dito no final da postagem anterior, as Reflexões provocadas por "Os dilemas éticos da tecnologia" não terminam com esta postagem, pois ainda há coisas para dizer e tornar esta postagem ainda mais longa seria contraproducente.
Termina em algum dia da próxima semana

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